Sede-Saudade

O verão sempre vem acompanhado dela.
No início, parece sede. Só depois de dar uns goles na água, apercebo-me de que não é, porque não passa. Tento com cerveja, limonada, laranja. Não é tampouco sede da fruta.

Pegarei na bicicleta e irei para uma praia, para matar esta sede que, se calhar, é de frescura. Frescura do mar! Passarei horas entre areia e mar, num vai e vem salgado, sentindo os contrastes e prazeres de um dia de calor, despreocupada e conectada aos elementos, mas a sede não passará.

Quando era criança, passava horas na água do lago, porque, estando dentro dela, a sede estava quase inexistente. Mas bastava sair, a água secar, e tudo voltava ao zero.
A sede incurável estava lá outra vez, como se aquelas horas prometedoras dentro da água nunca tivessem existido — anuladas como um sonho antigo.

Quando vou ao corpo, sinto-a como sede, mas quando olho para a alma, ela é saudade. Igual à sede, não dá para identificar de que é esta saudade.
Dos tempos que nunca existiram? Dos lugares fantasmas, onde nunca fui? De amizades e histórias de amor que não aconteceram, ou de uma versão de mim que já esqueci?

Sinto esta sede a saciar-se ligeiramente quando vou para a floresta e o lago negro (Juodynas) da aldeia dos meus avós, na Lituânia.
Mergulhando nas águas transparentes que refletem árvores e nuvens, tento absorver o máximo possível daquilo — célula por célula — para que fique comigo quando estiver longe, — e assim parece que a sede passa.
Mas a ansiedade de não deixá-la voltar já explica tudo: ela sempre fica por perto.

É em junho que me sinto mais solitária, quando olho para famílias e grupos de amigos que se juntam para fazer coisas.
Partilhar o calor de uma noite de verão, jantar na esplanada ou piquenique no parque.
Tentar saciar sede-saudade juntos, preenchendo vazios uns com os outros sem sequer saber que o fazem (ou será que o vazio só o sinto eu?).

De um lado, sinto a empatia da felicidade simples que eles vivem estando juntos, e de outro, não acredito que tivesse capacidade de a sentir igual.
Nunca gostei de estar em grupos ou reuniões familiares e poucas vezes fui convidada — até que virou um círculo.
Talvez gostasse de ser convidada, mas por medo de ser rejeitada, fingi com todo o meu ser que não queria.
Ou talvez não quisesse realmente, só queria saber que sou (pareço?) fixe o suficiente para ser convidada.
Quando me convidaram, fiquei com ansiedade, e não fui.

Sei que ver pessoas juntas também aumenta esta sede-saudade, que já sei que não tenho como saciar.

Por isso, nunca ando sozinha — mas parece que sim, porque a sede-saudade é o meu cão invisível.







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